quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Reflexões sobre o estudo do desenvolvimento na perspectiva da análise do comportamento

A dissertação do meu mestrado agora está disponível online. Para quem tiver interesse, ela pode ser obtida no endereço http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47132/tde-28062013-161959/pt-br.php .

Título: Reflexões sobre o estudo do desenvolvimento na perspectiva da análise do comportamento

Resumo: O objetivo central dessa dissertação é realizar uma análise crítica sobre a aproximação da Análise do Comportamento (AC) ao estudo do desenvolvimento. Para tanto, foram lidos textos pertinentes à temática e, a partir disso, realizaram-se reflexões sobre a forma como a abordagem tem se apropriado e pode vir a se apropriar do que é relativo ao estudo das mudanças ontogenéticas. Dada a impossibilidade de abarcar todas as relações possíveis entre AC e desenvolvimento, alguns aspectos foram selecionados para serem trabalhados. Eles foram divididos em quatro módulos com objetivos específicos. MÓDULO I: O objetivo foi discutir a confusão histórica entre Psicologia da Infância (PI) e Psicologia do Desenvolvimento (PD), bem como a influência desse cenário sobre a proposta analítico-comportamental analisada. Sugerimos que, embora a AC apresente uma formulação teórica de desenvolvimento que transcende a infância, a grande ênfase da área recaiu sobre o estudo da criança. Apontamos a necessidade de expandir as pesquisas desenvolvimentistas a diferentes fases da vida e a diferentes espécies. MÓDULO II: O objetivo foi discutir como a Análise do Comportamento lida com a questão da direcionalidade das mudanças e analisar a utilidade de conceitos como estrutura, estágio e pré-requisito. Concluímos que a direcionalidade das mudanças sempre deve ser definida de maneira probabilística, pautando-se nas relações estabelecidas entre o comportamento de um organismo e seu ambiente. Sugerimos que os referidos conceitos podem ser úteis à abordagem a depender da maneira com a qual forem empregados. MÓDULO III: Nosso objetivo foi avaliar a pertinência da divisão feita entre desenvolvimento biológico e psicológico na perspectiva da AC. Uma vez constatada a necessidade de aprimoramentos nessa divisão, um segundo objetivo do módulo residiu em discutir a adoção de uma perspectiva sistêmica como possibilidade de estabelecimento de um diálogo mais adequado entre a AC e as demais ciências do desenvolvimento. MÓDULO IV: Considerando-se as reflexões surgidas no restante da dissertação, o quarto módulo teve como objetivo refletir sobre possíveis questões que possam permear, no futuro, o estudo do desenvolvimento na perspectiva analítico-comportamental. Sugerimos que, além de ser importante estudar a construção de repertórios, a investigação da gênese dos processos comportamentais desde a fase prénatal desponta como uma área promissora de pesquisa. Como ponto comum de conclusão entre os módulos, apontamos a necessidade de mais discussões críticas sobre o que concerne ao estudo do desenvolvimento pela Análise do Comportamento.

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Título em inglês: Reflections about the study of development from the Behavior Analysis perspective

Resumo em inglês:
The main goal of this dissertation is to perform a critical analysis on the approach of the Behavior Analysis (BA) to the study of development. Thus, texts related to the theme were read and thereafter reflections were made about the way with which the approach has appropriated and is able to appropriate of what is related to the study of ontogenetic changes. Given the impossibility of span all the possible relations between BA and development, some aspects were chosen to be worked upon. They were divided in four modules with specific aims. MODULE I: The aim as to discuss the historical confusion between Child Psychology (CP) and Developmental Psychology (DP), as well as the influence of this scenario on the analyzed BA proposal. We suggest that, although BA presents a theoretical formulation that transcends childhood, the great emphasis of the area fell upon the study of the child. We point out the need to expand developmental researches to different stages of life and different species. MODULE II: The aim was to discuss how Behavior Analysis deals with the issue of the directionality of changes and analyze the utility of concepts such as structure, stage and prerequisite. We conclude that the directionality of changes must always be defined in a probabilistic way, being measured in the established relations among the behavior of an organism and its environment. We suggest that the referred concepts may be useful to the approach depending on the way it is employed. MODULE III: Our aim was to assess the relevance of the division made between biological and psychological development in the perspective of the BA. Once the need to improvements in this division is verified, a second objective of the module consisted in discussing the adoption of a systemic perspective as a possibility of establishing a more adequate dialogue among BA and the other developmental sciences. MODULE IV: Considering the reflections that arose in the rest of the dissertation, the fourth module aimed to reflect about possible questions that may permeate, in the future, the study of development in the BA perspective. We suggest that, besides being important to study the construction of repertoires, the investigation of the genesis of behavioral processes since prenatal stage rises as a promising research area. As a common ground for discussion among the modules, we stress the need of more critical discussions about what concerns the study of development by the Behavior Analysis.



Abraços




quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Diálogos Sobre Desenvolvimento Comportamental

Evento promovido no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com entrada gratuita.
Organizadores: Tauane Paula Gehm, Lígia Mosolino de Carvalho e Ana Carolina Macchione.



Apresentadores:

João Cláudio Todorov (IESB)
Maria Stella Coutinho de Alcântara Gil (UFSCAR)
Carolina Laurenti (UEM)
Carlos Eduardo Tavares (USP)
Tauane Paula Gehm (USP)
Christiana G. M. de Almeida, Naiara Minto de Sousa e Lucas Tadeu Garcia (UFSCAR)
Ana Carolina Macchione (Núcleo Paradigma)
Pedro Fonseca Zuccolo (USP)
Paula S. Gióia (PUC)
Cintia Guilhardi, Leila Bagaiolo e Claudia Romano (Gradual)
Cássia Leal da Hora (PUC e Núcleo Paradigma)
Lygia Dorigon (Núcleo Paradigma)
Jaíde Regra (Consultório particular)




sábado, 11 de agosto de 2012

O que é DESENVOLVIMENTO para a Análise do Comportamento (AC)?


A teoria analítico-comportamental do desenvolvimento é enquadrada no campo da ciência natural (Bijou, 1993/1995). Bijou e Baer (1961) definem teoria como um grupo coerente de proposições gerais (i.e., definição de termos e princípios de relação entre termos) usadas como formulações explicativas para uma classe de fenômenos. Já a ciência natural é entendida como aquela que estuda qualquer fenômeno natural, derivando seu conhecimento de eventos observáveis ao olho nu ou observáveis por meio de instrumentos. A proposta da AC para a compreensão do desenvolvimento se enquadra nos padrões das ciências naturais porque as afirmações teóricas são proposições generalizadas sobre interações observáveis entre organismo e ambiente (Bijou, 1993/1995; Schlinger, 1995; Novak, & Peláez, 2004).
Em consonância com as ciências naturais, Bijou e Baer (1961) definiram o desenvolvimento como mudanças progressivas na interação entre um organismo e seu ambiente. Se destrincharmos os elementos presentes nessa definição, tem-se o destaque para dois aspectos:
a.       Mudanças progressivas. Segundo Ruiz e Baer (1996), o aspecto progressivo teria dois sentidos. O primeiro deles se refere à descrição sucessiva das diferenças qualitativas nas interações organismo-ambiente, de forma que o único papel da palavra “progressivo” seja permitir o reconhecimento de que cada mudança no comportamento se leva a cabo com base nas interações organismo-ambiente que a precedem. No segundo sentido, destaca-se que não apenas as interações que precederam de modo imediato qualquer mudanças no comportamento são importantes, mas também se considera quaisquer outras variáveis históricas que possam ser relevantes. Essa definição de desenvolvimento permite, portanto, contemplar as mudanças comportamentais como baseadas no que já ocorreu e no que ocorre no momento da interação específica (Novak & Peláez, 2004). Destaca-se também que o caráter progressivo não resulta em uma noção de melhoria, progresso ou direção única do desenvolvimento (Vasconcelos, Naves, & Ávila, 2010).
b.      Mudanças na interação entre o organismo e seu ambiente. Essas interações são consideradas interdependentes e contínuas. Aquilo que o organismo faz altera aspectos do ambiente e este, por sua vez, retroage sobre as ações do organismo (Vasconcelos, Naves, & Ávila, 2010). Portanto, o desenvolvimento implica bidirecionalidade de controle entre organismo e ambiente.
De forma semelhante, Ribes (1996) sugere que o estudo do desenvolvimento consiste na reconstrução teórica do comportamento ao longo do tempo, permitindo a observação de uma tendência geral na mudança e organização comportamental em cada momento. Na medida em que marca a história de interações do indivíduo, o estudo do desenvolvimento permite elucidar fatores disposicionais. Ou seja, trata-se de esclarecer a facilidade ou interferência criada pela história em novas formas de organização do comportamento e na aquisição de determinadas competências. Nesse sentido e em consonância com a definição de Bijou e Baer (1961), Ribes (1996) concebe o desenvolvimento como a interação histórica das capacidades comportamentais no transcurso do tempo: as competências comportamentais adquiridas progressivamente se convertem na condição necessária para o desenvolvimento de novas competências comportamentais. 
Em suma, o aspecto crítico no estudo do desenvolvimento é o caráter progressivo das mudanças nas interações, de forma que a história pregressa interfira probabilisticamente em aspectos qualitativos e quantitativos das interações presentes e as interações presentes interfiram nas futuras. Por se referir a fatores apenas disposicionais, a análise diacrônica não retira a necessidade de uma análise sincrônica, cujo papel é determinar aquelas condições e processos presentes no momento em que a interação acontece.


Referências:
Bijou, S. W. (1995). Behavior Analysis of Child Development. Reno: Context Press. Segunda revisão. Versão original em 1993.
Bijou, S. W.; & Baer, D. M. (1961). Child development, 1: A systematic and empirical theory. The Century psychology series. New York: Appleton-Century-Crofts. 
Novak, G.; & Peláez, M. (2004). Child and Adolescent Development. Califórnia: Sage publications.
Ribes, E. (1996). Reflexiones sobre la naturaliza de uma teoria del desarrollo del comportamiento y su aplicación. Em: Bijou, S. W.; & Ribes, E. (cords). El desarrollo del comportamiento. México: Universidad de Guadalajara. pp. 267-282.
Ruiz, J. R.; & Baer, D. M. (1996). Un punto de vista analítico-conductual del desarrollo. Em: Bijou, S. W.; & Ribes, E. (cords). El desarrollo del comportamiento. México: Universidad de Guadalajara. pp. 203-241.
Schlinger, H. D. Jr. (1995). A behavior Analytic View of Child Development. New York: Plenum Press.
Vasconcelos, L. A.; Naves, A, R. C. X.; & Ávila, R. R. (2010). Abordagem Analítico-comportamental do Desenvolvimento. Em: E. Z. Tourinho; S. V. de Luna. Análise do comportamento: Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas. São Paulo: Roca.



sexta-feira, 8 de junho de 2012

A proposta analítico-comportamental para o estudo do desenvolvimento: sugestões bibliográficas


Recentemente, eu me dei conta de uma tremenda falha no blog: eu ainda não havia postado sobre a proposta analítico-comportamental do desenvolvimento psicológico. Neste momento, estou justamente escrevendo sobre isso na minha dissertação. Assim que estiver pronta, eu divulgo. Por hora, parece interessante sugerir alguns textos importantes da área para aqueles que estiverem interessados no tema.

Sidney W. Bijou (1908-2009) e Donald M. Baer (1931-2002) foram, possivelmente, os mais importantes nomes no estudo do desenvolvimento comportamental. Além de influenciados pelas ideias de Skinner, eles também foram influenciados pelo interbehaviorismo kantoriano. Kantor sugeriu a existência de três estágios do desenvolvimento, baseados no tipo principal de interação que ocorre em cada um deles – ou seja, trata-se de uma classificação de natureza funcional. Os três estágios são: (1) estágio fundacional; (2) estágio básico; e (3) estágio societal. Vale a pena dar uma olhada na descrição de cada um nos livros de Bijou e Baer, ou nos livros do próprio Kantor. Como leitura básica, eu sugiro:



  1. Bijou, S. W.; & Baer, D. M. (1961). Child development, Vol. 1: A systematic and empirical theory. The Century psychology series. New York: Appleton-Century-Crofts. Esse livro passou por duas revisões, uma em 1978, outra em 1993. Foi traduzido para o espanhol e para o português.
  2. Bijou, S. W.; & Baer, D. M. (1965). Child development, Vol. 2: The universal stage of infancy. New York: Appleton.
  3.  Bijou, S. W.; & Baer, D. M. (1967). Child development, Vol. 3: readings  in experimental analysis. New York: Appleton.
  4.  Bijou, S. W. (1993). Behavior Analysis of Child Development. Reno: Context Press. Segunda revisão. Embora esse livro seja uma revisão do livro do item “a”, ele foi publicado sem a parceria de Baer. Até onde eu sei, ainda não foi traduzido para o português.

            Alguns artigos e capítulos de livros publicados por Bijou e\ou Baer também podem ser de interesse:

  1. Bijou, S. W. (1968). Ages, stages, and the naturalization of human development. American Psychologist, 23(6), 419-427.
  2.  Baer, D. M. (1973). The control of developmental process: Why wait? In: J. R. Nesseroade, & H. W. Reese (Eds.). Ufe-span developmental psychology: Methodological issues. New York: Academic Press.
  3. Bijou, S. W. (1975). Development in the preschool years: A functional analysis. American Psychologist, 30(8), 829-837.
  4. Bijou, S. W. (1979). Some clarifications on the meaning of behavior analysis of child development. The Psychological Record, 29(1), 3-13.

Há ainda publicações didáticas sobre a proposta analítico-comportamental que, embora não tenham sido escritas por Bijou e Baer, pautaram-se na concepção deles de desenvolvimento:

  1. Gewirtz, J. L.; & Peláez-Nogueras, M. (1992). B. F. Skinner’s Legacy to Human Infant Behavior and Development. American Psychologist. pp. 1411-1422.
  2. Schlinger, H. D. (1995). A behavior analytic view of child development. New York, Plenum Press.
  3. Novak, G. (1996). Developmental psychology: Dynamical systems and behavior analysis. Reno, NV, Context Press.
  4. Novak, G.; & Peláez, M. (2004). Child and Adolescent Development. Califórnia: Sage publications.

Para aqueles que quiserem mergulhar ainda mais no estudo do desenvolvimento, eu sugiro leituras um pouco mais avançadas:

  1. Kuo, Z. Y. (1967). The Dynamics of Behavior Development: An Epigenetic view. New York: Random House.
  2. Catania, A. C. (1973) The Psychologies of Structure, Function, and Development. American Psychologist, 28, 434-443.
  3. Richelle, M. N. (1993). Piaget and Skinner: Constructivism and Behaviourism. In: M. N. Richelle. B. F. Skinner: A Reappraisal. Hove: Lawrence Erlbaum Associates Ltd. pp. 75- 84.
  4. Bijou, S. W.; & Ribes, E. El desarrollo del comportamiento. México: Universidad de Guadalajara. Arrisco-me a dizer que, entre todos os livros que eu já li sobre o tema, este é o melhor! Trata-se de uma coletânea de textos críticos produzidos a partir das conferências realizadas no “Segundo Simposio Bienal sobre Ciencia de la Conducta”, na Universidade Nacional Autônoma do México, em 1992, com o tema “desenvolvimento comportamental”. O simpósio foi planejado para ser uma reunião acadêmica de alto nível que analisaria criticamente o desenvolvimento, incluindo-se apresentações de natureza conceitual, trabalhos de revisão empírica e artigos de carácter metodológico. É realmente muito bom! O livro também foi publicado em inglês, mas em formato reduzido.
  5.  Rosales-Ruiz, J. and D. M. Baer (1997). Behavioral Cusps: A developmental and pragmatic concept for behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 30(3), 533-544.

Por fim, para aqueles que não leem em inglês, há um capítulo básico recentemente publicado: Vasconcelos, L. A.; Naves, A. R. C. X. & Ávila, R. R. (2010). Abordagem Analítico-Comportamental do Desenvolvimento. Em: Tourinho, E. Z. & Luna, S. V. (Orgs). Análise do Comportamento: Investigações históricas, conceituais e aplicadas. pp. 125-151.
Há ainda um excelente texto escrito pela Maria Amélia Matos e que vale a pena ser lido: Matos, M. A. (1983). A medida do ambiente de desenvolvimento infantil. Psicologia, 9(1), pp. 5-18.


Por enquanto é isso! :)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A injustiça nas críticas dirigidas a Piaget (Parte 1)


A obra de Piaget é de inquestionável valor para a Psicologia. Ainda assim, muitos psicólogos dirigiram críticas claramente injustas aos princípios piagetianos. Confesso que nunca me dediquei integralmente ao estudo da obra piagetiana e, por isso, nunca me detive por mais tempo a uma defesa diante de críticas equivocadas. Recentemente, soube de um texto do Lourenço e do Machado, publicado em 1996, intitulado “In defense of Piaget's Theory: A Reply to 10 Common Criticisms”. Gostei tanto do artigo que decidi resumi-lo no blog. Eu tratarei de duas críticas por post. Vale dizer que o resumo está muito aquém do artigo. Portanto, aconselho fortemente que os interessados dirijam-se ao texto integral de Lourenço e Machado.

AS 10 CRÍTICAS

1.       A teoria de Piaget subestima a competência das crianças.


Alguns críticos sugerem que Piaget produziu avaliações muito conservadoras sobre as competências infantis, principalmente em crianças no período pré-operatório. Afirma-se que o padrão de tarefas piagetianas leva a erros do tipo falso-negativo: não se atribui à criança as competências que de fato ela tem e que seriam reveladas quando os fatores de desempenho fossem mais bem controlados. Para tanto, novas tarefas têm sido elaboradas, julgando-se que elas detectariam melhor a complexidade cognitiva infantil. Por exemplo, pesquisadores usam agora a reação de surpresa como critério de detecção da construção do conceito de “objeto permanente”, ao invés de usar como critério, tal como sugeriu Piaget, a busca ativa pelo objeto. 
Por meio da tarefa que analisa a "reação de surpresa", pode-se concluir que a construção do objeto permanente já existiria aos 3 ou 4 meses de idade. Os críticos sugerem, assim, que Piaget teria cometido um grave erro ao afirmar que a construção do conceito apareceria apenas mais tarde na criança. São críticas prematurasEm primeiro lugar, a idade de aquisição não é um conceito chave na teoria de Piaget. A chave estaria na sequência de transformações pelas quais a criança passa. Em segundo lugar, a reação de surpresa pode ocorrer em função de uma competência perceptual, não fornecendo evidências conclusivas de que a competência conceitual (objeto permanente) é a responsável pela reação. Por fim, o “conhecimento” envolve implicações e inferências lógicas e, portanto, a presença da competência analisada não pode ser inferida apenas estatisticamente, de forma a recair em riscos teóricos (por exemplo, confundindo-se competência conceitual com perceptual).
No artigo, Orlando e Machado apresentam outros exemplos de como a teoria piagetiana tem sido equivocadamente compreendida, mostrando que as novas tarefas propostas podem envolver a avaliação de estruturas lógicas diferentes daquelas que foram estudadas nas tarefas de Piaget.  Embora não se negue aqui a possibilidade das crianças serem, de fato, mais competentes do que Piaget acreditava, os estudos não são convincentes por recaírem em erros metodológicos básicos e confusões conceituais. Acreditando que Piaget subestima a competência de crianças, os críticos falharam ao recair em erros falso-positivos: atribuíram às crianças competências do nível operatório que seriam, na verdade, do nível pré-operatório.


2. A teoria de Piaget fornece normas de idade


Piaget associou cada período do desenvolvimento a idades específicas. Alguns críticos sugerem que se as idades em que se observa cada período forem muito discrepantes daquelas apontadas por Piaget, isso será um grande problema para a teoria. A crítica falha ao assumir que Piaget equacionava a cronologia à aquisição de algo. Piaget não considerava a idade como critério do nível de desenvolvimento. Ele tomava como elemento chave a sequência das transformações cognitivas e não sua cronologia. A idade é um indicador, não um critério. Portanto, alterações nas faixas etárias não invalidam a teoria piagetiana.


Para sabe mais: 
Lourenço, O.; & Machado, A. (1996). In defense of Piaget's Theory: A Reply to 10 Common Criticisms. Psychological Review, v. 103(1), pp. 143-164.

domingo, 20 de novembro de 2011

Quem inventou a infância?

Não raro, escuta-se alguém comentando sobre o caráter encantador e inocente dos primeiros anos de vida. Ou então o discurso pende para a necessidade da educação moral nessa fase. Trata-se de concepções de infância que embasam o sistema educacional, político e familiar. Apesar de essas concepções parecerem naturais e óbvias, em 1960 Philippe Ariès traçou a construção social de um sentimento ou consciência da infância a partir da análise de pinturas e escritos de vários séculos. A obra dele foi de grande importância para construção da Sociologia da Infância - embora, atualmente, os pesquisadores tenham opiniões distintas sobre a abrangência de seus escritos. Considerando-se o caráter clássico da obra, o texto a seguir resume algumas das ideias de Ariès sobre a construção social da infância:

Analisando-se registros da sociedade medieval, não se observa um tratamento diferenciado entre a infância e os demais períodos da vida. Basicamente, assim que o indivíduo tinha condições de viver sem um cuidador constante, ele ingressava na sociedade adulta. Isso ocorria por volta dos sete anos de idade. Os primeiros anos eram vistos como uma rápida fase de transição para a idade adulta.
Embora a criança fosse representada com graciosas formas arredondadas na arte grega do período clássico, esta visão desapareceu na iconografia posterior. Até o século XIII, a criança não aparecia nas pinturas medievais ou, quando aparecia, tinha suas formas físicas deformadas: sua aparência era de um adulto em tamanho reduzido. Neste período, a taxa de mortalidade infantil era altíssima. Por conta disso, um casal tinha diversos filhos, presumindo que muitos deles não sobreviveriam. Preservar lembranças dos filhos mortos – retratos, por exemplo – não tinha sentido: logo outro indivíduo nasceria para substituí-lo.
Representações da infância um pouco mais próximas do que conhecemos atualmente começaram a aparecer no século XIII de três maneiras: (1) como a figura do anjo jovem, com traços redondos e graciosos, semelhantemente à forma como os anjos são retratados nas pinturas de Botticelli; (2) na imagem do Menino Jesus em movimentos afetivos ligados à Virgem, por exemplo, aninhado no colo de Maria ou com os braços ao redor do seu pescoço; ou (3) como alegoria da morte e da alma, representadas pela criança nua.
Nos dois séculos que se seguiram, a caracterização do Menino Jesus se expandiu para a pintura profana, inspirando cenas familiares em que as crianças eram retratadas em contextos de afetividade com suas mães. Em menos de duzentos anos, a criança se tornou uma das personagens mais frequentes da iconografia. Contudo, ela raramente era retratada sozinha, estando quase sempre ao redor de adultos, em pinturas quase anedóticas. Isso sugere que a criança, aos poucos, passou a exercer uma possível função em meio à “multidão” e esta função estaria associada à sua graça e à sua colocação no lugar de fonte de divertimento para o mundo adulto. Isso configurou uma primeira consciência social de infância, caracterizada por um “sentimento de paparicação”: com o passar do tempo e da história, os primeiros anos de vida começaram a ser enxergados como graciosos, “engraçadinhos”, e as crianças se tornaram fonte de distração e relaxamento dos adultos.
Somado a isso, nas pinturas do século XV, as crianças também começaram a ser retratadas em vestimentas distintas de acordo com sua idade, sendo possivelmente mais uma evidência de sua separação do mundo adulto. Outra característica do século foi o gosto manifesto pelos jargões da infância e pelo registro das expressões e onomatopeias infantis. As crianças ganharam novos nomes na sociedade francesa, como bambins, pitchouns e fanfans. As pessoas começaram a adotar o linguajar das amas para se dirigir aos pequenos - como tou-tou (au-au) e dada (cavalinho).
Como reação à identificação da criança na função engraçada e encantadora, parte da sociedade se irritava com a figura da infância, vendo os mais novos como frágeis e bobos. Aos poucos, como reação (1) a essa citada irritação, (2) à paparicação e (3) à anterior indiferença da sociedade aos mais novos, surgiu uma nova consciência de infância, chamada por Ariès de "sentimento de moralização": defendia-se que os pequenos deveriam ser doutrinados.
A concepção moral que surgiu foi fortemente pautada em princípios do cristianismo. Como foi apontada anteriormente, a evolução iconográfica de aspectos atribuídos ao Menino Jesus se generalizou para a representação de outras crianças. Com isso, associaram-se também as características da infância sagrada de Jesus às características de qualquer criança. Paralelamente, havia a questão do batismo: batizar crianças implicava torná-las cheias da morada de Deus e, portanto, relacioná-las a figuras de pureza e inocência. A inocência, como reflexo da pureza divina, foi central para o sentimento moralista. Como moradas do Senhor, as crianças deveriam ser protegidas e educadas.
Antes do século XVI, a noção de inocência infantil era desconhecida. O pudor que hoje existe frente às crianças em relação a assuntos sexuais era inexistente na época. Era comum, por exemplo, as amas brincarem com a genitália infantil em cenas que hoje assustariam a sociedade. Com a crescente imposição de moralistas, certas atitudes passaram a não ser mais toleradas e principiou um espírito de respeito pela infância que se preserva até os dias de hoje.
No século XVII, houve uma grande proliferação de livros pedagógicos dominados por ideias morais e cristãs destinados a pais e professores. Procurava-se preservar os pequenos da “sujeira” da vida e da sexualidade tolerada pelos adultos e, ao mesmo tempo, fortalecer a infância ao desenvolver e prolongar seu tempo e sua razão. A ideia é que a infância, entendida aqui como moral e inocência, perdurasse pela vida do indivíduo. E, para tanto, era preciso vigiar constantemente a criança para discipliná-la e evitar que ela se perdesse nas indecências do mundo terreno.
Multiplicaram-se as instituições educacionais, revolucionando os hábitos escolares em direção a uma disciplina mais rigorosa. E, com tal disseminação, o sentimento de moralização tornou-se popular e amplamente aceito pela sociedade.
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FATORES SOCIAIS QUE CONTRIBUÍRAM PARA O SURGIMENTO DA INFÂNCIA

Ariès aponta, portanto, a construção de ao menos dois sentimentos de infância: o da paparicação e o moralista. O primeiro teria surgido dentro dos meios familiares, com as crianças pequenas. O segundo surgiu de uma fonte externa à família, com os escolásticos, homens da lei e moralistas preocupados com a disciplina e os costumes. Este sentimento opunha-se ao primeiro, ao considerar que as crianças não deveriam ser tratadas como brinquedos. Seriam, ao contrário, frágeis criaturas de Deus que teriam que ser preservadas e disciplinadas por meio da educação.
A transformação da indiferença em consciência da infância como fase diferenciada aconteceu paralelamente a uma série de outras mudanças sociais que foram críticas. Leite (2010) aponta que um desses fatores críticos foi a queda da mortalidade infantil. Pinchbeck e Hewitt (2010) relatam que entre 30 e 40% das crianças de até dois anos residentes de grandes cidades morriam na época. As causas apontadas por elas são várias:
· A obstetrícia era pouco desenvolvida - os nascimentos eram assessorados por parteiras;
· Após o nascimento, as crianças eram cuidadas por pessoas com comportamentos que colocavam em risco a saúde dos recém-nascidos, como dar conhaque para os bebês para que eles parassem de chorar;
· Havia uma grande indiferença dos pais em relação aos filhos, uma vez que, com muitos filhos, era difícil preocupar-se com cada um individualmente;
· A morte das crianças era encarada com fatalismo, como um desígnio de Deus;
· Até o século XVIII, por questões de beleza do corpo, era moda não amamentar;
· O conhecimento sobre nutrição infantil era precário, dando-se alimentos indiscriminados para os bebês; 
· Comportamentos de negligência, como deixar crianças indesejáveis em becos, era comum. Muitas vezes essas crianças eram encontradas por mendigos que as mutilavam a fim de conseguir dinheiro através da piedade do povo.
A taxa de mortalidade caiu com a melhoria das condições europeias de higiene e com preocupações crescentes com o cuidado e o bem-estar da criança, como leis de prevenção da violência infantil. A criança deixou, assim, de ser vista como substituível por outra caso morresse. Como apontado por Ariès, isso se tornou ainda mais intenso com o malthusianismo, o controle de natalidade e as práticas contraceptivas.
Outra mudança crítica foi o ‘fechamento’ da família europeia no século XVIII, que se isolou tanto da comunidade como da família consanguínea, adquirindo o formato da família nuclear que hoje estamos acostumados (Leite, 2010). Pinchbeck e Hewitt (2010) explicam que até meados do século XVII as famílias eram muito numerosas: cerca de 40 pessoas por habitação. Elas sugerem que a crescente riqueza das classes média e alta no final do século XVII e durante o século XVIII estimulou a procura por uma forma mais cômoda de vida. Uma das atitudes tomadas para isso foi separar as acomodações de patrões e empregados, isolando a família nuclear. Isso fez com que o número de pessoas por acomodação fosse reduzido e as relações pudessem se tornar mais íntimas, permitindo o desenvolvimento de uma consciência familiar. As relações entre pais e filhos ficaram mais próximas e menos formais, aumentando a preocupação com o bem-estar infantil.
Para Ariès, a criança adquiriu papel central na sociedade, que deixou de ser indiferente e se tornou obsessiva por ela. Colocando-se como uma questão para a sociedade, a descoberta da infância permitiu o aparecimento de novas ciências dedicadas ao tema da criança – a psicologia do desenvolvimento, por exemplo. Ariès sugere também que tenhamos colocado a criança em uma “quarentena escolar”, como se ela só estivesse suficientemente madura para a vida ao terminar seus estudos. Ao passo que a família adquiriu a função moral e espiritual de formar o corpo e a alma, a escola tornou-se um instrumento disciplinador que, atualmente, é protegido pela justiça e pela política.

Para saber mais:
Ariès, P. (1981). História social da criança e da família. (Flaksman, D. Trad.). Rio de Janeiro: LCT. Publicado originalmente em 1960.
Leite, D. M. (2010). A criança na família contemporânea. Em: Leite, D. M. (Org.). O desenvolvimento da criança, pp. 21-52. São Paulo: Ed. UNESP. Publicado originalmente em 1972.
Pinchbeck, I., & Hewitt, M. (2010). A criança numa sociedade em mudança. Em: Leite, D. M. (Org.). O desenvolvimento da criança, pp. 21-52. (Leite, D. M. Trad). São Paulo: Ed. UNESP. Publicado originalmente em 1969.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Experiências maternas podem ser "transferidas" aos fetos durante a gestação?

Os eventos vividos pelas gestantes podem produzir algum tipo de aprendizagem nos fetos? Essas aprendizagens se mantêm após o nascimento? Estudos como o de Gruest, Richer e Hars (2004) podem dar indicações sobre as respostas dessas perguntas.
Eles realizaram uma pesquisa com ratas prenhas no 18º e no 19º dia de gestação. O procedimento envolvia que as ratas ingerissem essência de alho e, algum tempo depois, injetava-se uma solução de cloreto de lítio nelas. O cloreto de lítio causa náusea nos animais, fazendo com que uma associação entre os alimentos anteriormente ingeridos e o mal-estar seja estabelecida. Com isso, os animais aprendem a evitar a essência de alho. Tecnicamente, fala-se que a essência de alho tornou-se um estímulo aversivo pelo pareamento com a náusea produzida pelo cloreto de lítio. As ratas que passaram por esse procedimento pariram filhotes que, quando tiveram seu primeiro contato com a essência de alho, também o evitaram. Essa evitação foi observada até seis semanas após o nascimento dos ratinhos.

O estudo levanta a dúvida de se algumas experiências pelas quais a mãe passa durante a gestação podem ou não ser “transferidas” para o feto, uma vez que foi a própria mãe quem ingeriu a solução de alho. Isso faria com que, ao nascerem, os fetos já estivessem preparados para evitar alguns alimentos que fizeram mal à mãe durante a gestação. Como controle adicional, seria interessante que os ratinhos recém-nascidos fossem cuidados e amamentados por uma rata estranha. Isso eliminaria a hipótese de que o contato com a mãe biológica, que também desenvolveu a aversão, pudesse de alguma forma promover a aprendizagem de aversão nos filhotes no período pós-natal.
Vale ainda dizer que outras espécies precisam ser testadas além de ratos para verificar a possível generalidade do fenômeno a qualquer animal. Há um grande campo de pesquisa pela frente... :)

Para saber mais: Gruest, N, Richer, P., & Hars, B. (2004). Emergence of long-term memory for conditioned aversion in the rat fetus. Developmental Psychobiology, 44, 189-198.