quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A injustiça nas críticas dirigidas a Piaget (Parte 1)


A obra de Piaget é de inquestionável valor para a Psicologia. Ainda assim, muitos psicólogos dirigiram críticas claramente injustas aos princípios piagetianos. Confesso que nunca me dediquei integralmente ao estudo da obra piagetiana e, por isso, nunca me detive por mais tempo a uma defesa diante de críticas equivocadas. Recentemente, soube de um texto do Lourenço e do Machado, publicado em 1996, intitulado “In defense of Piaget's Theory: A Reply to 10 Common Criticisms”. Gostei tanto do artigo que decidi resumi-lo no blog. Eu tratarei de duas críticas por post. Vale dizer que o resumo está muito aquém do artigo. Portanto, aconselho fortemente que os interessados dirijam-se ao texto integral de Lourenço e Machado.

AS 10 CRÍTICAS

1.       A teoria de Piaget subestima a competência das crianças.


Alguns críticos sugerem que Piaget produziu avaliações muito conservadoras sobre as competências infantis, principalmente em crianças no período pré-operatório. Afirma-se que o padrão de tarefas piagetianas leva a erros do tipo falso-negativo: não se atribui à criança as competências que de fato ela tem e que seriam reveladas quando os fatores de desempenho fossem mais bem controlados. Para tanto, novas tarefas têm sido elaboradas, julgando-se que elas detectariam melhor a complexidade cognitiva infantil. Por exemplo, pesquisadores usam agora a reação de surpresa como critério de detecção da construção do conceito de “objeto permanente”, ao invés de usar como critério, tal como sugeriu Piaget, a busca ativa pelo objeto. 
Por meio da tarefa que analisa a "reação de surpresa", pode-se concluir que a construção do objeto permanente já existiria aos 3 ou 4 meses de idade. Os críticos sugerem, assim, que Piaget teria cometido um grave erro ao afirmar que a construção do conceito apareceria apenas mais tarde na criança. São críticas prematurasEm primeiro lugar, a idade de aquisição não é um conceito chave na teoria de Piaget. A chave estaria na sequência de transformações pelas quais a criança passa. Em segundo lugar, a reação de surpresa pode ocorrer em função de uma competência perceptual, não fornecendo evidências conclusivas de que a competência conceitual (objeto permanente) é a responsável pela reação. Por fim, o “conhecimento” envolve implicações e inferências lógicas e, portanto, a presença da competência analisada não pode ser inferida apenas estatisticamente, de forma a recair em riscos teóricos (por exemplo, confundindo-se competência conceitual com perceptual).
No artigo, Orlando e Machado apresentam outros exemplos de como a teoria piagetiana tem sido equivocadamente compreendida, mostrando que as novas tarefas propostas podem envolver a avaliação de estruturas lógicas diferentes daquelas que foram estudadas nas tarefas de Piaget.  Embora não se negue aqui a possibilidade das crianças serem, de fato, mais competentes do que Piaget acreditava, os estudos não são convincentes por recaírem em erros metodológicos básicos e confusões conceituais. Acreditando que Piaget subestima a competência de crianças, os críticos falharam ao recair em erros falso-positivos: atribuíram às crianças competências do nível operatório que seriam, na verdade, do nível pré-operatório.


2. A teoria de Piaget fornece normas de idade


Piaget associou cada período do desenvolvimento a idades específicas. Alguns críticos sugerem que se as idades em que se observa cada período forem muito discrepantes daquelas apontadas por Piaget, isso será um grande problema para a teoria. A crítica falha ao assumir que Piaget equacionava a cronologia à aquisição de algo. Piaget não considerava a idade como critério do nível de desenvolvimento. Ele tomava como elemento chave a sequência das transformações cognitivas e não sua cronologia. A idade é um indicador, não um critério. Portanto, alterações nas faixas etárias não invalidam a teoria piagetiana.


Para sabe mais: 
Lourenço, O.; & Machado, A. (1996). In defense of Piaget's Theory: A Reply to 10 Common Criticisms. Psychological Review, v. 103(1), pp. 143-164.